terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Voilà mon Coeur

Voilà mon coeur, 1989. Bordado e cristais sobre feltro, 22 x 30 cm



A foto acima apresenta a obra "Voilà mon coeur", do artista plástico Leonilson, cujo trabalho é marcado por uma profunda sensibilidade e por um constante trânsito entre o sagrado - com referências a ícones religiosos - e o profano - com referências à sexualidade e às mazelas da condição humana.
“Voilà mon coeur” encena um jogo de desvelamento e ocultamento pelo qual a obra em si parece contradizer seu título. “Eis meu coração”: o artista anuncia ou promete a revelação de sua subjetividade, ao oferecer sua própria alma no símbolo universal do coração. A transparência dos cristais reforça essa idéia de revelação, como a indicar que seria possível enxergar-se o próprio interior do artista na obra. No entanto, essa idéia não se confirma na prática. O artista está, na verdade, encoberto por um véu. O outro lado do feltro preso na parede é inacessível a quem o contempla, sendo possível apenas vislumbrá-lo ou imaginá-lo a partir dos pontos visíveis no lado contemplado. Para ver esse outro lado seria necessário ultrapassar esse véu, ou retirar a obra da parede. Mas esse gesto resultaria como que numa profanação, que romperia a natureza mesma da criação do artista. Os cristais funcionam como membros postiços que o artista acopla a seu corpo subjetivo a fim de expandir suas possibilidades de expressão artística, e é nessa subjetividade forjada que ele deseja ser (não) visto.
O título “Voilà mon coeur” encobre, por detrás de seu sentido literal, que sugere uma revelação, possíveis trocadilhos que sugerem, ao contrário, um ocultamento, ou um disfarce. O termo “voilà” associa-se facilmente ao termo “voile”, que tanto pode ter o sentido de “véu” quanto de “vela utilizada nos barcos”. O véu é justamente um artefato cuja função é não deixar ver; assim, ao mesmo tempo em que diz mostrar-se, o artista está ocultando-se. E se pensarmos em “voile” como vela, temos a sugestão de um coração que veleja por um oceano que o conduz a mil paradeiros, a mil mundos, a mil possibilidades. Coração que também presta-se a trocadilhos: em francês, conhecer “par coeur” significa ter algo gravado na memória. É por essa memória que o artista veleja? É dela que retira os infinitos mundos com o qual tece seu véu?


PS. Os parágrafos acima (com exceção do primeiro) são parte de um ensaio meu já publicado.

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