quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Memórias pós-tu, mas...

Em 2001 eu tinha 20 anos e achava que já era velho demais. Velho demais pra viver, oportunidades todas desperdiçadas. Eu ouvia Sandy e Junior na minha solidão as nuvens de ilusão derramam tua chuva em mim, te quero sim e olhava pela janela. Eu via os prédios distantes e a neblina eterna de Curitiba e pensava que mundos eu queria adentrar (sem esperança de fazê-lo). No rádio tocava Madonna Music, Dido Thank you, Kylie Can't get you out of my head e essas eram suficientes para dar sentido. Nas ruas eu via montes de fragmentos, um hare krishna parado na esquina, uma igreja esquisita também parada na esquina, um poema do Leminski tatuado na fachada de um prédio, o passeio público com seus macacos e as prostitutas paradas na esquina, os terminais de ônibus se insinuando nas manhãs cinzentas. E de noite eram Jade e Lucas e Léo que brilhavam.

Depois Sandy e Junior gravaram "There will be those times we fight back tears" e as coisas começaram a perder o sentido. Perdi o verde e me perdi.


Quando me perdi foi que me achei.

E hoje tenho 28 e acho que sou novo. Vou colando os recortes, dispondo-os de maneira que me seja agradável, adicionando umas lantejoulas, enviando para alguém que nem sei bem onde se esconde, e as coisas ganham cor. Aquelas músicas não fazem mais sentido, busquei outras mais infantis e a Mara deu conta do recado. Sou muito novo para gostar de Sandy e Junior, que envelheceram cedo demais. Descobri que quem se apega a Madonna jamais envelhece, como ela. (como ela como ela como ela como ela como ela)


Uma aventura entre o sagrado e o profano

Aqui em Pelotas, acontece todos os anos durante o mês de outubro a Romaria de Nossa Senhora de Guadalupe. Um santuário dedicado à santa foi construído no Distrito de Cascata, distante 25 quilômetros da cidade, e para lá se dirigem milhares de romeiros na data da festa. O detalhe é que, entre esses milhares, algumas centenas vão para lá a pé e durante a noite. Na noite anterior à festa, uma grande caravana a pé parte à meia-noite da igreja Santa Teresinha, atravessa os mais de vinte quilômetros de estrada de chão e chega ao santuário ao amanhecer.
Esse ano a romaria aconteceu no fim-de-semana retrasado e, entre as centenas de romeiros pedestres, estávamos eu e um amigo meu. Eu havia lido na internet alguma coisa sobre a tal peregrinação, e o texto dizia que muitos jovens não ligados à igreja também participavam da caminhada, por seu espírito aventureiro. Foi o que nos atraiu e foi exatamente o que constatamos. Grande parte dos participantes praticamente ignorava o caráter religioso da caminhada. Estavam mesmo era participando de uma aventura, uma balada itinerante ou um simples teste aos limites das próprias pernas. E que teste! Quando parecia que já havíamos extrapolado os confins do universo, ainda havia estrada pela frente!


O santuário, que fica em uma grande área verde

Foi uma experiência diferente, mas que não pretendemos repetir, por vários motivos. A exaustão a que se é submetido é o primeiro deles. Exaustão que impede, por exemplo, que se aproveitem as festividades do dia no santuário. Estávamos tão cansados que, pouco depois de chegar ao destino (local lindíssimo, diga-se de passagem), tomamos um ônibus e voltamos para casa. Além disso, por ser durante a noite, não se vê quase nada ao longo do caminho, que atravessa diversas localidades rurais de Pelotas, com suas paisagens certamente encantadoras, mas que permanecem desconhecidas por causa da escuridão. O que vimos no que restava de estrada após o amanhecer nos provou isso: quando a luz surgiu, nos vimos em um lugar belíssimo. Ficamos, então, imaginando que lindos lugares havíamos visitado, literalmente, às cegas...

A paisagem bucólica que se revelou quando amanheceu

Conclusão: para o ano que vem já temos planos, caso estejamos em Pelotas no dia da romaria. Planos que não incluem a jornada a pé! Ou iremos de ônibus na noite anterior e passaremos a noite no santuário (como várias pessoas fizeram, acampando por lá), ou iremos apenas para aproveitar as festividades. De qualquer forma, foi curioso estar durante uma noite em um ambiente no qual conviviam harmonicamente pessoas com uma atitude impregnada de sagrado - com seus cânticos, orações e intenções espirituais - e outras cuja atitude era totalmente profana, o que ficava evidente nas conversas, nas músicas cantadas ao violão e até nas bebidas alcoólicas levadas por alguns... Não presenciei brigas, discussões nem reprimendas por parte de nenhum dos grupos quanto ao comportamento do outro. Todos eram peregrinos - da diversão ou da Virgem de Guadalupe - mas peregrinos.

sábado, 11 de outubro de 2008

Da Finlândia


Veio-me este, que dá assim uma certa vontade de Natal, se é que isso é compreensível. Mas Natal com neve como aqui não há. Natal de longe e dos outros, desse é que dá vontade o cartão. Vontade de uma casinha coberta de neve e perdida no meio do nada, com lareira crepitando e tudo o mais, tudo o que aqui não há.
Tenho recebido muitos, e tantos que até nem deu tempo de falar de todos, nem de botá-los todos na galeria (quem sabe agora, depois de segunda, já sem Ana nem Léo, devidamente encadernados em imaculadas normas ABNT e entregues para a soberana banca, quem sabe então haja tempo, se houver vontade). Tudo cheio de desejo de longe e de saudade do que não vi, como disse aquele que há 12 anos morreu num dia do qual me lembro bem (poderia contá-lo como fiz com 11/09/2001, porém agora [não] quero memórias verdadeiras).

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Festas de outubro


Quando eu estava no "seio do catolicismo", eu gostava de outubro porque esse é um mês cheio de comemorações marcantes na Igreja. Começa com Santa Teresinha, aí vem o Dia dos Santos Anjos da Guarda no dia 2, São Francisco de Assis no dia 4, Nossa Senhora Aparecida no dia 12, Santa Teresa de Ávila no dia 15 e Santa Edwiges no dia 16.

Fora isso, é o mês de meu aniversário, do aniversário de um de meus irmãos e também do aniversário da minha mãe.

Para os pagãos do hemisfério norte, outubro é o último mês do ano, sendo que o "Dia das Bruxas", o Hallowen, tem sua origem justamente aí, no Samhain, a comemoração do novo ano pagão. No sul celebra-se Beltane, a grande festa da fertilidade.

De todas as formas, o mês 10 quer ser especial.



Custei a lembrar do nome do pintor de tantas telas com temática religiosa nas quais os anjos estão sempre presentes. O google ajudou-me: é Fra Angélico. O anjinho aí em cima é dele. (É até doloroso ver a parte em que a tinta saiu e a madeira ficou aparecendo. Parece uma ferida exposta, não?)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

História de uma alma

Hoje, quando acordei, lembrei: 1º de outubro, dia de Santa Teresinha. Nessa data a Igreja celebra a memória de Teresa de Lisieux, essa francesa que viveu no final do século XIX e que se tornou uma santa imensamente popular. Mais que isso: tendo vivido apenas 24 anos e sendo mulher, realizou a façanha de ser proclamada doutora da Igreja, título concedido àqueles considerados como autores de uma doutrina espiritual exemplar. Além dela, apenas duas outras mulheres receberam tal título até hoje: Catarina de Sena e Teresa de Ávila.


"História de uma alma" é o nome que receberam os manuscritos autobiográficos de Teresinha. Sim, ela escreveu uma autobiografia por orientação de suas superioras, no mosteiro carmelita em que passou os últimos anos de sua breve vida. Li o livro pela primeira vez quando tinha 16 anos e, até hoje, lembro dos fortes sentimentos que ele me transmitiu. Teresinha conta detalhadamente sua vida, desde a mais tenra infância, com destaque para a perda da mãe quando tinha apena 4 anos, a relação com o pai e com as irmãs, a viagem a Roma, durante a qual solicitou ao papa que pudesse ingressar na Ordem Carmelita com apenas 15 anos. O livro transborda emoções exacerbadas a cada página, recordações dolorosíssimas, sentimentos elevadíssimos por seus familiares, interpretações sentimentais de cada situação vivida. Só hoje dei-me conta de que Teresinha bem pode ser enquadrada dentro do Romantismo, e é exatamente isso que ela é: uma alma romântica (não por acaso, ela também escrevia poesia...). Será que alguém já escreveu uma tese sobre isso?


A doutrina espiritual de Teresinha chama-se "a pequena via" e, basicamente, consiste em um retorno à simplicidade como meio de ter uma vida espiritual. Ela propõe que a "santidade" seja conquistada através da vida cotidiana, nas atitudes corriqueiras e pequenas, praticadas com amor. O que também não se distancia da visão romântica (e burguesa) da vida.


Hoje Teresinha é pop. Tornou-se a santa das rosas: diz-se que quem faz sua novena sempre recebe, inesperadamente, uma rosa dentro do período de 24 dias em que ela é realizada. A imagem da santa jovem carregando um crucifixo envolto em rosas tem um apelo que atinge desde as crianças até os idosos. Exatamente por isso, vem sendo amplamente utilizada pela Igreja em suas "campanhas publicitárias" desde o início do século XX, tendo sido uma das estrelas do papado João Paulo II, que a proclamou doutora em 1997, quando do 100º aniversário de sua morte. Continuo simpatizando com ela, mas não sei que efeito teria sobre mim uma nova leitura de seus escritos. Talvez eu tenha me tornado demasiado crítico para apreciá-los.