quinta-feira, 13 de março de 2008

Quem foi Caim?

Matéria publicada na Revista Planeta, Número 193, de outubro de 1988

Existem duas maneiras de se ler a Bíblia, o livro sacro das religiões cristã e judaica. Uma é aceitando, sem pensar ou discutir, tudo o que está lá registrado. A outra consiste em tentar compreender o que os autores estão procurando transmitir, por vezes de forma simbólica. Para isso, torna-se necessário descobrir o contexto histórico e muitos outros detalhes pertinentes ao assunto. Essa é a forma usada por Planeta para esclarecer trechos obscuros - como os que envolvem a história de Caim, aqui abordada.

Por Elsie Dubugras

A primeira coisa que as pessoas deveriam saber quando lêem a Bíblia é que ela não constitui um só livro, mas sim um conjunto de livros, cujos autores foram homens de diferentes níveis sociaias e culturais. Além disso, o conjunto cobre diversos séculos e os livros foram escritos em três línguas diferentes: o hebreu, o aramaico e o grego. Outro detalhe importante é que algumas histórias não se referem a pessoas da época em que foram escritas: os fatos podem ter sido extraídos de mitos ou lendas antigas de outros povos.

Por estes e outros motivos, nunca foi fácil entender e interpretar corretamente o conteúdo desse importante livro de fundo religioso, e isso levou as pessoas interessadas em conhecer a verdade a instituir um método de exegese bíblica conhecido pelo nome de Midrash, que procura o espírito de um trecho e não uma interpretação ao pé da letra (Encyclopaedia Britannica, pág, 416)

Para se ter uma idéia da importância do Midrash, basta ler um pequeno trecho do primeiro livro da Bíblia - a Gênese, que trata da formação da Terra, da criação das duas primeiras criaturas humanas (Adão e Eva), de sua expulsão do Paraíso e de seus dois filhos (Caim e Abel). Motivado pela inveja, Caim mata Abel, assassinato este que deixou um saldo de três habitantes na Terra (Gên. 4:1/8) - isso se o trecho bíblico for interpretado ao pé da letra.

Caim mata Abel, na visão do pintor italiano Tintoretto


Vamos começar observando o que acontece com Caim, o fatricida. De início, quando o Senhor cientifica-se de que Caim matara Abel, Ele o amaldiçoa (Gên. 4:9:12); mas de súbito, sem motivo aparente, a atitude do senhor modifica-se: a maldição cairá sobre quem matar Caim e, para resguardá-lo desse perigo, Deus põe um sinal em Caim "para que não o ferisse qualquer que o achasse" (Gên. 4:15).

Devidamente protegido por aquele sinal, Caim "saiu de diante da face do Senhor, e habitou na terra de Node, da banda do Oriente do Éden. Lá ele conheceu sua mulher, e ela concebeu, e teve Enoque: e ele edifivou uma cidade, e chamou o nome da cidade pelo nome de seu filho Enoque." (Gên. 4:16/17)

Como entender, em primeiro lugar, essa mudança na atitude do Senhor, que chegou a premiar Caim com um sinal para protegê-lo de possíveis inimigos? Segundo alguns exegetas, o capítulo 4 da Gênese poderia estar narrando a história de duas pessoas diferentes, mas com o mesmo nome, e as histórias teriam sido emendadas à altura do versículo 15. Se esse fosse o caso, tudo ficaria mais claro, pois um relato seria do fatricida Caim e o outro de uma pessoa que poderia ser um sacerdote encarregado das execuções sagradas. O primeiro seria amaldiçoado, maso segundo, que teria participado de um ritual religioso para beneficiar a comunidade, não poderia ser castigado. Após a cerimônia em que sacrificara uma vítima, ele teria de ficar algum tempo afastado da convivência do povo, ou seja, em algum lugar deserto, e lá se purificar. Paraficar protegido doi ataque de possíveis inimigos, o executor sagrado levaria consigo um artefato comprovando que tomara parte naquela cerimônia. O artefato lógico seria o borrifador por ele usado para aspergir as pessoas com o sangue da vítima sacrificada.

Em Números 19:6, há uma descrição desse borrifador e dos materiais usados para construí-lo: "E o sacerdote tomarápau de cedro, o hissopo e carmesim (...)." O hissopo era uma planta ideal para o fim que se tinha em vista, pois geralmente não alcançava mais do que 25 cm de comprimento, era elíptica e tinha folhas pequenas. Segundo a tradição dos judeus, o cedor e o hissopo eram amarrados com um fio vermelho de lã (carmesim) também conhecido como língua vermelha.

Quanto aos sacrifícios humanos, o ato de executar uma vítima não seria condenado, pois, como já dissemos, o ritual religiosos tinha por fim beneficiar a comunidade junto aos deuses e, naquele tempo, acreditava-se que o sacrifício de um ser humano aplacava a ira dos deuses e afastava os danos que ela poderia causar. Contudo, havia ainda outro motivo, e esses era o mais curioso de todos: sacrificando uma pessoa, a comunidade estaria enviando um mensageiro ao plano espiritual, e lá esse emissário poderia interceder junto aos deuses para conseguir os favores que a comunidade desejasse.

As formas usadas para a prática de tais sacrifícios eram diversificadas e nem sempre obedeciam a um ritual religioso. Por exemplo, a fim de dar umacerta legitimidade ao ato, simulava-se uma luta entre duas pessoas e, se esse fosse o caso, é provável que a própria vítima houvesse concordado, antecipadamente, em sacrificar a sua vida.

Outra variante seria um combate gladiatório entre prisioneiros inimigos, e o que perdesse a luta e viesse a morrer seria a vítima a ser oferecida como sacrifício aos deuses.

É possível que, no caso de Caim, tenhamos ainda outra explicação: a de que a cerimônia em que o executor sagrado estava envolvido seria semelhante àquela usada no ritual do Bode Expiatório, praticadopelos israelitas no Dia da Reconciliação. Nessa cerimônia, dois bodes seriam usados, e a escolha da vítima feita por sorte (Lev. 16:8) "E Arão lançara sorte sobre os dois bodes: uma sorte pelo Senhor, e a outra sorte pelo bode emissário." Um bode então era savrificado e o outro, o que a Bíblia chama de emissário, enviado ao deserto. (Lev. 16:10) A forma como isso era feito está descrito nos versículos 21 e 22 do memo Livro.

Quando a finalidade do ritual era a cura e a purificação dos leprosos, os pássaros substituíam os animais comumente sacrificados. Duas pombas eram usadas; o sacerdote imolava uma e aspergia os leprosos com seu sangue. Isso era repetido por sete vezes. Em seguida, ele mergulhava a pomba emissária no sangue de sua companheira, e a soltava num campo aberto.

Deus: primeiro castiga Caim; mas depois protege-o dos inimigos.
("A criação dos animais", Tintoretto)

Como se vê por esses relatos, o sangue da vítima era um fator importante em tais cerimônias.Qual seria a razão? Porque o sangue é considerado a força vital, tanto do homem como do animal, e quando, por meio de rituais, a energia que ele representa é devolvida aos deuses, todos se beneficiam, pois a aspersão com sangue restabelece o pacto sagrado com Deus. Assim sendo, parece lógico que o executor sagrado, ao retirar-se para um lugar deserto, levasse consigo o borrifador de sangue com o qual ele teria aspergido a comunidade.

Passemos agora a outros aspectos relativos ao nome Caim. Ele poderia não ser um nome próprio, mas a indicação de uma profissão. Neste caso, Caim poderia significar alguém que trabalhasse com metais: um ferreiro, por exemplo. Também poderia ser o nome de uma tribo. Poderia, então, ser a dos queneus, cujo fundador foi um homem chamado caim e de quem a tribo descendia. São suposições que exigiriam um espaço maior para serem explanadas.

Para encerrar o estudo desta parte mínima da Bíblia, vamos retornar ao capítulo 4 da Gênese. Lá, lemos que Caim viajou para o Oriente após receber o sinal de proteção do senhor, estabelecendo-se num lugar chamado Node, onde encontrouuma mulher; teve um filho com ela e iniciou uma longa descendência que vai até a época do Dilúvio, além de fundar uma cidade. Deduz-se que foi durante este período que Adão e Eva tiveram outro filho, que chamaram Sete. Este, por sua vez, Deixou outra descendência através de seu filho Enos (Gên, 4:25/26)

Quem seriam os habitantes de Node, onde Caim encontrou sua mulher? Onde aprendera ele a construir casas e até estabelecer uma cidade? E onde Sete achou a sua esposa? Para explicar esses fatos conflitantes, recorremos aos exegetas e ao livro de Hyam Maccoby, The Sacred Executioner (Thames and Hudson). Diz Maccoby que o nome Adão não se refere a uma pessoa em particular. Significa humanidade e foi inserido na Bíblia por razões ideológicas: os compiladores israelitas desejavamestabelecer uma genealogia comum a todos os povos. Com esta explicação, o resto - que antes era incompreensível - torna-se lógico. Se Adão significa humanidade, é natural que existissem seres humanos em diversos lugares, e Node seria um desses lugares. E foi em Node que caim - o executor sagrado - e possivelmente Sete, seu irmão, encontraram suas esposas.

4 comentários:

Johny Farias disse...

Caim era o homem do futuro.,
não era daquela época.
Quase um ser enviado do século XXI.
rs

abs

Maite-volarela disse...

Hola. Gracias por visitar mi blog. Yo no sé tu idioma por lo que no puedo juzgar el tuyo. Parece interesante, y veo que las imágenes son muy atractivas. Saludos.

jaime braz disse...

Para mim foi muito instrutivo apesar que eu ja suspeitava de alguns acontecimentos da época mais foi muito gratificante obter um esclarecimento mais obgetivo e logico

jaime braz disse...

Para mim foi muito gratificante, ter um esclarecimento obgetivo a rrespeito de quem foi Caim, e como e onde Caim encontrou sua mulher.Eu acho que os lideres ou Pastores deveriam, pesquisar mais a Biblia, para terem uma noção querente e veridica,buscando a verdade e nada mais que a verdade.A biblia,tem muitos pontos obscuros que somente atravez do espirito e estudos aprofundados podera ser revelados